Em 2017 durante minhas atividades de estĂ¡gio na universidade tive a oportunidade de organizar e ministrar dois cursos de extensĂ£o com a proposta de debater totalitarismo e autoritarismo a partir da perspectiva literĂ¡ria. Foram duas turmas bastante heterogĂªneas e debates partindo de distopias Ă democracia e censura. Num dos encontros realizados a discussĂ£o proposta seria censura Ă literatura, e para tal, parti de uma experiĂªncia metodolĂ³gica interativa. Com a imagem e sons de uma fogueira a crepitar, os participantes foram questionados se haveria algum livro que desejariam levar Ă fogueira e por quais razões?
Por mais descabida que possa parecer a pergunta, analisemos antes um pouco dos contextos. Desde 2015 e auge em 2016, o Brasil Ă© rachado por uma polarizaĂ§Ă£o polĂtica. 2017 Ă© o primeiro anos pĂ³s-golpe e um a anteceder as eleições. Censura e autoritarismo estĂ£o de volta em nosso radar e as perspectivas nĂ£o sĂ£o nada promissoras. Contudo, estĂ¡vamos em um pequeno grupo, e embora heterogĂªneo, formado preponderantemente por mentes progressistas ou revolucionĂ¡rias. Geralmente pessoas que noutras oportunidades haviam manifestado-se contra arbitrariedades, contra censuras e todo tipo de repressĂ£o. Isto em princĂpio poderia levar-me a crer nĂ£o haver uma Ăºnica alma na sala disposta a queimar livros. O resultado foi de alerta. Ainda que com certa timidez inicial de repente alguĂ©m levou um JosĂ© de Alencar para a fogueira em razĂ£o de seu destino para com as personagens femininas. A BĂblia, entĂ£o, foi torrada. Eu tinha material para o debate e discussĂ£o, mas para alĂ©m disso, um alerta do quĂ£o forte Ă© a chama piromanĂaca que teima em arder. Se mesmo num grupo propenso Ă democracia e Ă liberdade tĂnhamos a possibilidade de comportamentos autoritĂ¡rios, isso queria dizer um bocado de coisas. Acima de tudo o quanto ainda estamos longe de de fato dialogar e aceitar o pensamento discordante. O trabalho seguiu sendo problematizado com a leitura de Fahrenheit 451 e as experiĂªncias de censura aos livros no Brasil. Encerramos as atividades e nĂ£o seu o quanto o debate resultou junto aos participantes de reavaliaĂ§Ă£o e ponderaĂ§Ă£o sobre o assunto. Quanto ao Brasil, seguimos cada vez mais polarizados e cada vez mais indispostos a conviver com o discordante.
EntĂ£o, dias desses resolvi reproduzir a experiĂªncia dos pequenos grupos dos projetos de extensĂ£o em grandes grupos formados por postulantes a escritores que participo no Facebook. Em geral esses grupos tem muita auto-promoĂ§Ă£o ou bate-bocas de senso comum, mas sempre Ă© possĂvel encontrar debates interessantes neles [os grupos provocados pela questĂ£o reĂºnem cada, dezenas de milhares de integrantes]. Resolvi reproduzir a provocaĂ§Ă£o de minhas aulas de extensĂ£o nesses grupos. Talvez mais alarmante que em minhas aulas Ă© que nestes grupos os participantes escrevem ou pretendem escrever livros. Ainda assim, a chama piromanĂaca mostrou-se ardente. Mesmo possĂveis ou futuros autores declararam possibilidades de se jogar livros Ă fogueira.
Entre os que responderam [foram dezenas de comentĂ¡rios] foi possĂvel distinguir entre trĂªs a quatro grupos. Os que levaram a hipĂ³tese na brincadeira "Nunca. Bem, talvez "CĂ¡lculo Avançado" merecesse uma fogueira ritual depois de fechar a matĂ©ria", ou conjeturando que numa nevasca atĂ© que se pensaria no caso. Os que nĂ£o viram sentido algum na pergunta. Os dispostos a acender os fĂ³sforos e os conscientes do quĂ£o grave Ă© uma sociedade que se dispõe a queimar livros.
Falemos primeiro do grupo, o mais preocupante. Os piromanĂacos do pensamento. Os que por uma razĂ£o ou outra nĂ£o veem problema algum em levar livros pra fogueira. Curioso e um tanto melancĂ³lico que nestes tempos de polarizaĂ§Ă£o e autoritarismo a oposiĂ§Ă£o ao avanço da extrema-direita deveria vir com prĂ¡ticas diferentes, mas nĂ£o. NĂ£o foram poucos os que ameaçaram Ă s chamas livros de direita que recentemente influenciaram nossa polĂtica. NĂ£o se pode, principalmente por Ă©tica pessoal combater o mal com o mal [ainda que aqui nĂ£o se faça esse tipo de julgamento de valor]. TĂ£o medonho quanto as fogueiras nazistas de 33 ou as fogueiras anti-comunistas da era vargas e da ditadura militar seriam as fogueiras propostas por alguns para as obras de Olavo de carvalho. Ele rivalizou com a BĂblia no quesito de atiçar a sanha piromanĂaca de debatedores virtuais. Na lista dos possĂveis queimĂ¡veis Mein Kampf, os das listas de mais vendidos, os do Edir Macedo, para alguĂ©m "todos os livros sagrados". Aos dispostos a queimar livros, sempre em frases curtas e com a sugestĂ£o feita, sem muita argumentaĂ§Ă£o sobre os motivos para queimĂ¡-los, motivaĂ§Ă£o esta sempre escondendo de forma embutida que a pessoa disposta para tal achava de algum modo sua sugestĂ£o danosa e deveria ser queimada. Mas nĂ£o sĂ³ estes, foram para a fogueira tantos outros, afinal a disposiĂ§Ă£o ou intenĂ§Ă£o de queimar, por si sĂ³ jĂ¡ Ă© mais que brasa ardente. Felipe Neto tambĂ©m foi lembrado pelos pares e, assim como em meu curso de extensĂ£o, tivemos a justificaĂ§Ă£o semelhante para os "que impõem comportamento submisso a mulher. E nĂ£o me refiro aos de ficĂ§Ă£o". O Capital, tambĂ©m foi para fogueira, assim como outras obras de esquerda. A chama piromanĂaca, mostra-se terrivelmente ambidestra. E mesmo os reticentes "NĂ£o sei se eu queimaria... mas se fosse obrigado a fazĂª-lo, decerto optaria por qualquer obra que eu percebesse menosprezar o valor da vida humana, disseminando preconceitos e afins. NĂ£o sei citar um em especial" ao cabo, cogitam a possibilidade.
Mas se a chama piromanĂaca Ă© insistente, por outro lado, a discussĂ£o nos grupos demonstrou que hĂ¡ resistĂªncia ao caminho mais fĂ¡cil que Ă© a intolerĂ¢ncia e ruptura do debate. Entre os conscientes, a argumentaĂ§Ă£o contra a insanidade das fogueiras literĂ¡rias, em geral vinha embasado em argumentos. "Queimar livro Ă© tĂ£o fascista" diz um participante. Outra integrante relembra "Nunca.todos tem o direito de se expressarem. nĂ£o gostou do que leu, doa para um Sebo de livros. NUNCA QUEIME LIVROS. Os Ăºnicos que queimaram livros foram os militares NAZISTAS que serviram a Hitler. os comunistas de stalingrado, os colonizadores espanhĂ³is e romanos tambĂ©m fizeram isso..." AlguĂ©m se manisfesta ponderadamente "Nenhum livro precisa ser queimado pode nĂ£o ser lido mas merece respeito." Outro participante aponta para o autorismo da questĂ£o "NĂ£o. O meu subjetivo nĂ£o deve ser arbitrĂ¡rio para julgar o que deve ser c escrito ou lido. Isso Ă© idiotice." Um lembrete interessante diz respeito que " Se uma pessoa nĂ£o consegue conviver com a propagaĂ§Ă£o de uma ideia da qual nĂ£o concorda, ela nĂ£o pode se considerar apta a viver em sociedade". AlĂ©m disso, alguns lembraram o poeta Heinrich Heine "Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas", fato incontestĂ¡vel conforme registra nossa histĂ³ria. Em suma, quem se opĂ´s Ă chama piromanĂaca procurou apontar o totalitarismo presente na ideia "Jamais, os Estados totalitaristas fizeram isso(comunismo, nazismo), os colonizadores (agressivos) acabaram com muitas culturas destruindo os seus vestĂgios. Queimar qualquer livro, Ă© matar a cultura e literatura. Os livros sĂ£o atemporais, registros histĂ³ricos de pensamento e posicionamento do autor, que demonstra em relatos, toda sua criatividade. O que aconteceria se por ventura, os livros sagrados das religiões fossem queimados. Me causa espĂ©cie qualquer pensamento do tipo, principalmente num fĂ³rum de incentivo Ă leitura e cultura!!!" AlĂ©m disso, sempre com demonstrações de espanto de tal possibilidade ser analisada justamente em fĂ³runs de autores.
Certamente isto nos mostra a gravidade do problema. Um problema que nestes tempos polarizados encontra o gasolina perfeita para a combustĂ£o devastadora. Entretanto, vejamos, parto de um princĂpio que todo e qualquer comportamento Ă©tico deve partir de uma aĂ§Ă£o prĂ¡tica contrĂ¡ria ao que me oponho. NĂ£o posso condenar as fogueiras literĂ¡rias, todas elas, se em meu pensamento conjeturar ou relativizar esta ou aquela narrativa possĂvel a ser incendiada. Todo livro queimado Ă© uma declaraĂ§Ă£o de fracasso civilizatĂ³rio. Infelizmente as provocações apresentadas neste texto encontraram nos dois espectros polĂticos e culturais intenções piromanĂacas. Como um pensador progressista e libertĂ¡rio espanta-me ainda mais que supostos progressistas cogitem das mesmas artimanhas dos poderes autoritĂ¡rios, absolutistas e totalitĂ¡rios. Parto de uma Ăºnica possibilidade de enfrentamento aos livros que tragam ideais que discorde [aliĂ¡s, diga-se que sempre vale ressaltar o questionamento, mas enfim, quem teria direito de escolher o que serve ou nĂ£o?], a Ăºnica fogueira possĂvel, a fogueira da argumentaĂ§Ă£o. Vejamos, por exemplo, uma das narrativas muito citadas, Mein Kampf. Proibi-lo, funciona? Funcionou? Por acaso nĂ£o andam tantos exemplares pelas sombras, espalhando ideias nefastos? NĂ£o seria mais sensato entĂ£o as publicações deste, comentadas e criticadas por pesquisadores? dedos apontados para as fragilidades dos argumentos? Para a insensatez das ideias de uma mente maligna? QueimĂ¡-lo, literal ou metaforicamente mais o ajuda ou o atrapalha? Mais do que uma insensatez, pensar que queimar esta ou aquela ideia Ă© possĂvel, nĂ£o passa de tolice. Todo tirano tentou isso, todo autoritĂ¡rio ensaio isso. os resultados, vejamos, nĂ£o sĂ£o eficientes. Ademais, quando tomamos a argumentaĂ§Ă£o e a contra-argumentaĂ§Ă£o como Ăºnico fĂ³sforo tomamos talvez o Ăºnico e viĂ¡vel caminho para a construĂ§Ă£o de uma consciĂªncia civilizadora. Mesmo que seja um caminho de passos lentos a frente, e alguns apressados para trĂ¡s. ConsciĂªncia nĂ£o se põe, seja pela força, pelas leis, ou pelo esconder das ideias absurdas. Os livros absurdos precisam existir, pois que se trabalhamos pelo contrĂ¡rio, mostra o quanto nĂ£o aprendemos ainda. Os livros com ideias tĂªm de ser massacrados pelo argumento, pela exposiĂ§Ă£o das bobagens que pregam. E olha que nem mesmo isso Ă© uma garantia que sejamos exitosos em mostrar as incongruĂªncias de obras nefastas, ou simplesmente ruins. Retomando a reflexĂ£o de Heine, sobre queimar livros e queimar pessoas, isso porque livros nĂ£o sĂ£o apenas objetos. NĂ£o trata-se de papel encadernando. Independente se ficĂ§Ă£o, ensaios, artigos, etc... livros sĂ£o ideias, e ideias nĂ£o nascem por conta prĂ³pria. AtrĂ¡s das ideias hĂ¡ pessoas, de todos os tipos e com todos os enganos, contradições ou intenções. Por isso hĂ¡ lĂ³gica em se dizer que onde se queimam livros, se queimam pessoas. Em Ăºltima e radical instĂ¢ncia o mesmo que conjetura queimar um livro, Ă© bem provĂ¡vel que conjeture queimar uma pessoa.
E nĂ£o trabalho aqui com a ingenuidade e a utopia de que por pelo menos um bom tempo, no andar da carruagem histĂ³rica nĂ£o haverĂ£o tantos e tantos tiranos a riscar fĂ³sforos contra os livros, contra o conhecimento. A questĂ£o posta Ă© de qual lado eu estarei? A tiranias sĂ£o ambidestras como mostra a histĂ³ria, e especialmente no caso de quem escreve, de quem faz ou pretende fazer o uso da palavra, o posicionamento radical contra toda e qualquer fogueira literĂ¡ria, todas elas, deveria ser pilar pĂ©treo. Relativizar a queima de ideias e estar disposto que suas prĂ³prias ideias e palavras sejam queimadas. Mas para alĂ©m disso, e finalizando essa breve reflexĂ£o, um outro tipo de participante nos debates aqui mencionados foram os autores que citaram a prĂ³pria obra enquanto "vĂtima" de uma possĂvel censura ou queima de seus livros. Alguns, inclusive, mencionaram que isso lhes seria um tanto benĂ©fico. Apontavam ainda que em tons de escracho, outro efeito de se queimar livros. O aumento do interesse pela obra [no meu caso particular prefiro seguir sem muitos leitores do que achar que esse expediente traga algo positivo]. Censuras recentes neste paĂs cada dia mais autoritĂ¡rio reforçam essa ideia de que a censura vende. Paulo Freire parece hĂ¡ tempos nĂ£o vendia tanto. Autores e autoras brasileiros que tiveram de algum modo cerceados suas atividades tiveram repercussões neste sentido. Mas de modo algum isso Ă© coisa de se comemorar, apenas reforça a tolice que Ă© essa chama piromanĂaca. Por isso, principalmente aos ditos progressistas, democrĂ¡ticos e libertĂ¡rios, cada vez que se pensar ou concordar jogar um olavinho Ă fogueira, dez outros olavinhos surgirĂ£o, repetindo e ladrando as mesmas barbaridades. Cada vez que algum jovem pra frentex dizer que a BĂblia ou qualquer outro livro sagrado bem que poderia ser queimado, algumas legiões se levantarĂ£o ainda mais radicais [aliĂ¡s, num dos grupos, a postagem pendeu para diferentes inquisições]. A respeito das ideias bossais, sempre nos restarĂ¡ uma Ăºnica jornada, denudĂ¡-las em suas bossalidades, escancarar suas imbecilidades, suas maledicĂªncias. Walter Benjamin chegou a dizer que "convencer Ă© infrutĂfero", mas ainda Ă© a Ăºnica arma Ă©tica que nos resta. Uma luta constante e diĂ¡ria de convencimento do quanto ideias totalitĂ¡rios, autoritĂ¡rios e intolerantes precisam ser superados. Bem verdade que tem sido uma luta de pequenos avanços e outros tantos retrocessos. Mas este nĂ£o Ă© um projeto para hoje, amanhĂ£, ou sĂ©culos. Quem sabe alguns milĂªnios Ă frente, tenhamos enfim, vencido esta batalha.
Falemos primeiro do grupo, o mais preocupante. Os piromanĂacos do pensamento. Os que por uma razĂ£o ou outra nĂ£o veem problema algum em levar livros pra fogueira. Curioso e um tanto melancĂ³lico que nestes tempos de polarizaĂ§Ă£o e autoritarismo a oposiĂ§Ă£o ao avanço da extrema-direita deveria vir com prĂ¡ticas diferentes, mas nĂ£o. NĂ£o foram poucos os que ameaçaram Ă s chamas livros de direita que recentemente influenciaram nossa polĂtica. NĂ£o se pode, principalmente por Ă©tica pessoal combater o mal com o mal [ainda que aqui nĂ£o se faça esse tipo de julgamento de valor]. TĂ£o medonho quanto as fogueiras nazistas de 33 ou as fogueiras anti-comunistas da era vargas e da ditadura militar seriam as fogueiras propostas por alguns para as obras de Olavo de carvalho. Ele rivalizou com a BĂblia no quesito de atiçar a sanha piromanĂaca de debatedores virtuais. Na lista dos possĂveis queimĂ¡veis Mein Kampf, os das listas de mais vendidos, os do Edir Macedo, para alguĂ©m "todos os livros sagrados". Aos dispostos a queimar livros, sempre em frases curtas e com a sugestĂ£o feita, sem muita argumentaĂ§Ă£o sobre os motivos para queimĂ¡-los, motivaĂ§Ă£o esta sempre escondendo de forma embutida que a pessoa disposta para tal achava de algum modo sua sugestĂ£o danosa e deveria ser queimada. Mas nĂ£o sĂ³ estes, foram para a fogueira tantos outros, afinal a disposiĂ§Ă£o ou intenĂ§Ă£o de queimar, por si sĂ³ jĂ¡ Ă© mais que brasa ardente. Felipe Neto tambĂ©m foi lembrado pelos pares e, assim como em meu curso de extensĂ£o, tivemos a justificaĂ§Ă£o semelhante para os "que impõem comportamento submisso a mulher. E nĂ£o me refiro aos de ficĂ§Ă£o". O Capital, tambĂ©m foi para fogueira, assim como outras obras de esquerda. A chama piromanĂaca, mostra-se terrivelmente ambidestra. E mesmo os reticentes "NĂ£o sei se eu queimaria... mas se fosse obrigado a fazĂª-lo, decerto optaria por qualquer obra que eu percebesse menosprezar o valor da vida humana, disseminando preconceitos e afins. NĂ£o sei citar um em especial" ao cabo, cogitam a possibilidade.
Mas se a chama piromanĂaca Ă© insistente, por outro lado, a discussĂ£o nos grupos demonstrou que hĂ¡ resistĂªncia ao caminho mais fĂ¡cil que Ă© a intolerĂ¢ncia e ruptura do debate. Entre os conscientes, a argumentaĂ§Ă£o contra a insanidade das fogueiras literĂ¡rias, em geral vinha embasado em argumentos. "Queimar livro Ă© tĂ£o fascista" diz um participante. Outra integrante relembra "Nunca.todos tem o direito de se expressarem. nĂ£o gostou do que leu, doa para um Sebo de livros. NUNCA QUEIME LIVROS. Os Ăºnicos que queimaram livros foram os militares NAZISTAS que serviram a Hitler. os comunistas de stalingrado, os colonizadores espanhĂ³is e romanos tambĂ©m fizeram isso..." AlguĂ©m se manisfesta ponderadamente "Nenhum livro precisa ser queimado pode nĂ£o ser lido mas merece respeito." Outro participante aponta para o autorismo da questĂ£o "NĂ£o. O meu subjetivo nĂ£o deve ser arbitrĂ¡rio para julgar o que deve ser c escrito ou lido. Isso Ă© idiotice." Um lembrete interessante diz respeito que " Se uma pessoa nĂ£o consegue conviver com a propagaĂ§Ă£o de uma ideia da qual nĂ£o concorda, ela nĂ£o pode se considerar apta a viver em sociedade". AlĂ©m disso, alguns lembraram o poeta Heinrich Heine "Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas", fato incontestĂ¡vel conforme registra nossa histĂ³ria. Em suma, quem se opĂ´s Ă chama piromanĂaca procurou apontar o totalitarismo presente na ideia "Jamais, os Estados totalitaristas fizeram isso(comunismo, nazismo), os colonizadores (agressivos) acabaram com muitas culturas destruindo os seus vestĂgios. Queimar qualquer livro, Ă© matar a cultura e literatura. Os livros sĂ£o atemporais, registros histĂ³ricos de pensamento e posicionamento do autor, que demonstra em relatos, toda sua criatividade. O que aconteceria se por ventura, os livros sagrados das religiões fossem queimados. Me causa espĂ©cie qualquer pensamento do tipo, principalmente num fĂ³rum de incentivo Ă leitura e cultura!!!" AlĂ©m disso, sempre com demonstrações de espanto de tal possibilidade ser analisada justamente em fĂ³runs de autores.
Certamente isto nos mostra a gravidade do problema. Um problema que nestes tempos polarizados encontra o gasolina perfeita para a combustĂ£o devastadora. Entretanto, vejamos, parto de um princĂpio que todo e qualquer comportamento Ă©tico deve partir de uma aĂ§Ă£o prĂ¡tica contrĂ¡ria ao que me oponho. NĂ£o posso condenar as fogueiras literĂ¡rias, todas elas, se em meu pensamento conjeturar ou relativizar esta ou aquela narrativa possĂvel a ser incendiada. Todo livro queimado Ă© uma declaraĂ§Ă£o de fracasso civilizatĂ³rio. Infelizmente as provocações apresentadas neste texto encontraram nos dois espectros polĂticos e culturais intenções piromanĂacas. Como um pensador progressista e libertĂ¡rio espanta-me ainda mais que supostos progressistas cogitem das mesmas artimanhas dos poderes autoritĂ¡rios, absolutistas e totalitĂ¡rios. Parto de uma Ăºnica possibilidade de enfrentamento aos livros que tragam ideais que discorde [aliĂ¡s, diga-se que sempre vale ressaltar o questionamento, mas enfim, quem teria direito de escolher o que serve ou nĂ£o?], a Ăºnica fogueira possĂvel, a fogueira da argumentaĂ§Ă£o. Vejamos, por exemplo, uma das narrativas muito citadas, Mein Kampf. Proibi-lo, funciona? Funcionou? Por acaso nĂ£o andam tantos exemplares pelas sombras, espalhando ideias nefastos? NĂ£o seria mais sensato entĂ£o as publicações deste, comentadas e criticadas por pesquisadores? dedos apontados para as fragilidades dos argumentos? Para a insensatez das ideias de uma mente maligna? QueimĂ¡-lo, literal ou metaforicamente mais o ajuda ou o atrapalha? Mais do que uma insensatez, pensar que queimar esta ou aquela ideia Ă© possĂvel, nĂ£o passa de tolice. Todo tirano tentou isso, todo autoritĂ¡rio ensaio isso. os resultados, vejamos, nĂ£o sĂ£o eficientes. Ademais, quando tomamos a argumentaĂ§Ă£o e a contra-argumentaĂ§Ă£o como Ăºnico fĂ³sforo tomamos talvez o Ăºnico e viĂ¡vel caminho para a construĂ§Ă£o de uma consciĂªncia civilizadora. Mesmo que seja um caminho de passos lentos a frente, e alguns apressados para trĂ¡s. ConsciĂªncia nĂ£o se põe, seja pela força, pelas leis, ou pelo esconder das ideias absurdas. Os livros absurdos precisam existir, pois que se trabalhamos pelo contrĂ¡rio, mostra o quanto nĂ£o aprendemos ainda. Os livros com ideias tĂªm de ser massacrados pelo argumento, pela exposiĂ§Ă£o das bobagens que pregam. E olha que nem mesmo isso Ă© uma garantia que sejamos exitosos em mostrar as incongruĂªncias de obras nefastas, ou simplesmente ruins. Retomando a reflexĂ£o de Heine, sobre queimar livros e queimar pessoas, isso porque livros nĂ£o sĂ£o apenas objetos. NĂ£o trata-se de papel encadernando. Independente se ficĂ§Ă£o, ensaios, artigos, etc... livros sĂ£o ideias, e ideias nĂ£o nascem por conta prĂ³pria. AtrĂ¡s das ideias hĂ¡ pessoas, de todos os tipos e com todos os enganos, contradições ou intenções. Por isso hĂ¡ lĂ³gica em se dizer que onde se queimam livros, se queimam pessoas. Em Ăºltima e radical instĂ¢ncia o mesmo que conjetura queimar um livro, Ă© bem provĂ¡vel que conjeture queimar uma pessoa.
E nĂ£o trabalho aqui com a ingenuidade e a utopia de que por pelo menos um bom tempo, no andar da carruagem histĂ³rica nĂ£o haverĂ£o tantos e tantos tiranos a riscar fĂ³sforos contra os livros, contra o conhecimento. A questĂ£o posta Ă© de qual lado eu estarei? A tiranias sĂ£o ambidestras como mostra a histĂ³ria, e especialmente no caso de quem escreve, de quem faz ou pretende fazer o uso da palavra, o posicionamento radical contra toda e qualquer fogueira literĂ¡ria, todas elas, deveria ser pilar pĂ©treo. Relativizar a queima de ideias e estar disposto que suas prĂ³prias ideias e palavras sejam queimadas. Mas para alĂ©m disso, e finalizando essa breve reflexĂ£o, um outro tipo de participante nos debates aqui mencionados foram os autores que citaram a prĂ³pria obra enquanto "vĂtima" de uma possĂvel censura ou queima de seus livros. Alguns, inclusive, mencionaram que isso lhes seria um tanto benĂ©fico. Apontavam ainda que em tons de escracho, outro efeito de se queimar livros. O aumento do interesse pela obra [no meu caso particular prefiro seguir sem muitos leitores do que achar que esse expediente traga algo positivo]. Censuras recentes neste paĂs cada dia mais autoritĂ¡rio reforçam essa ideia de que a censura vende. Paulo Freire parece hĂ¡ tempos nĂ£o vendia tanto. Autores e autoras brasileiros que tiveram de algum modo cerceados suas atividades tiveram repercussões neste sentido. Mas de modo algum isso Ă© coisa de se comemorar, apenas reforça a tolice que Ă© essa chama piromanĂaca. Por isso, principalmente aos ditos progressistas, democrĂ¡ticos e libertĂ¡rios, cada vez que se pensar ou concordar jogar um olavinho Ă fogueira, dez outros olavinhos surgirĂ£o, repetindo e ladrando as mesmas barbaridades. Cada vez que algum jovem pra frentex dizer que a BĂblia ou qualquer outro livro sagrado bem que poderia ser queimado, algumas legiões se levantarĂ£o ainda mais radicais [aliĂ¡s, num dos grupos, a postagem pendeu para diferentes inquisições]. A respeito das ideias bossais, sempre nos restarĂ¡ uma Ăºnica jornada, denudĂ¡-las em suas bossalidades, escancarar suas imbecilidades, suas maledicĂªncias. Walter Benjamin chegou a dizer que "convencer Ă© infrutĂfero", mas ainda Ă© a Ăºnica arma Ă©tica que nos resta. Uma luta constante e diĂ¡ria de convencimento do quanto ideias totalitĂ¡rios, autoritĂ¡rios e intolerantes precisam ser superados. Bem verdade que tem sido uma luta de pequenos avanços e outros tantos retrocessos. Mas este nĂ£o Ă© um projeto para hoje, amanhĂ£, ou sĂ©culos. Quem sabe alguns milĂªnios Ă frente, tenhamos enfim, vencido esta batalha.
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