Compartilho com vocês o conto abaixo.
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“Sem
Canela, desce lá no asfalto e avisa pro Chumbo Grosso ficar esperto,
pois têm hôme
demais
desfilando por aí hoje, e nem todo mundo é amigo. Diz pr’aquele
imbecil não ficar se amostrando muito. Não quero queimar o filme do
Sargento Peçanha, afinal ele é nosso
camarada, e não queremos que a figura do Peçanha se queime com os
chefão”.
“Pode
dexá, chefe.”
“E
aproveita a escadaria para avisar o Chêra Peido que ele pode me
trazer o tal playboizinho
que quer fazer um investimento no nosso negócio.”
“Tá
bom chefe.”
“Veja
só, Seu Marcão, isso aqui é uma mina, essa gente da zona sul não
nos deixa parar de trabalhar.”
“E
no que depender do Deputando Mendonça vocês continuarão podendo
trabalhar sem que o governo mexa no que é de vocês. Viu o discurso
dele ontem contra a legalização?”
“É
o que eu digo Seu Marcão, a gente tem que votar em políticos que
defendem a gente.”
“Mas,
Toninho, minha visita aqui não tem a ver com a Câmara...”
“O
Senhor não quer uma cerveja antes...”
“Daquela
bem gelada. Você me conhece, rapaz, sempre querendo me agradar.”
“E
como não faria, com tão ilustre figura. Mas vâmo para com essas
putarias e saramaleques. Se a preocupação é com a eleição de
domingo...”
“É
que você sabe, o Deputado gosta de acompanhar as coisas de perto, e
é muito importante para ele e para nós todos que o Zé Gostoso
vença as eleições domingo...”
“Vencer,
não sei não, mas aqui no morro pode ter certeza que só vai dar o
Zé, mesmo como esse nome esquisito pra caralho. Onde já se viu,
prefeito Zé Gostoso, inda bem que povo é tudo burro, menos a gente,
é claro...”
“E
quem tira do Zé que o apelido não atrapalha. Mas que foda-se o
nome. As pesquisas dão certas esperanças e o Deputado conta muito
com os amigos...”
“Com
a gente aqui, ele pode ficar sossegado. Meu pessoal já deixou bem
claro pra turma aqui de cima em quem tem de votar. No domingo meus
cachorro
vão tá em todas as bocas de urna...”
“Mas
eleição é eleição, Toninho.”
“Disso
eu sei, Seu Marcão, mas quero ver qual corajoso vai pensar votar
noutro candidato vendo a turma tão presente. Essa gente daqui sabe
com quem se aliar Seu Marcão. Tudo cordeirinho... E cordeirinho
manso, porque já sabem que cordeiro que foge do pasto, comigo vira
churrasco... Essa gente me obedece Doutor...”
“Por
isso o deputado gosta de você Toninho... uma verdadeira liderança.
Você é firme, ah, meu rapaz se todos tivessem a sua liderança...”
“Bem,
nesse caso ia ter tiroteio todo dia, Seu Marcão. Mais uma Cerveja?”
“Não,
não. Tenho mais umas visitas pra fazer, e estou vendo que os
interesses do deputado estão sendo bem cuidados aqui. Você é o
cara, Toninho. Você é o cara.”
“Assim
o senhor me deixa sem jeito, Seu Marcão...”
“Você
sem jeito? Até parece, meu rapaz. No pacote aí na mesa tem uns
santinhos do Zé, e uns presentinhos
para convencer algum voto indeciso, mas você sabe, se tiveres outros
métodos de convencimento, pode fazer o que quiser com o presente.”
“É
aí que me refiro Seu Marcão... Mande lembranças ao Deputado.”
“Mando
sim, até mais, Toninho.”
“Até
mais, Seu Marcão.”
“Chefe!”
“Quê
isso, Chêra Peido. Chegando assim na surdina tá pedindo bala nas
fuça.”
“Pe-perdão
chefe... é que...”
“Desembucha,
rapá.”
“Trouxe
aqui, o Claudinho. O cara é
brother
e tá afim dumas mercadoria.”
“Senta
aí, playboy.
Tá querendo o quê? E quanto? Se procura quantidade e qualidade você
veio ao lugar certo, parça.”
Enfastiado
da cena, Deus, que assistia a tudo sentado sobre o zinco enferrujado
de um barraco, decidiu voltar para a tranquilidade do céu. Conjurou
uma nuvem e sobre ela voou para longe da favela.
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