Resenha: O instituto, de Stephen King



Certamente um livro com as características de Stephen King, e mais do que isso, uma narrativa que parece congregar uma série de referências que por certo poderão saltarem aos pensamentos dos leitores. Um livro que tem algo de Não me abandone jamais pelo teor adulto das reflexões a toques de um Maze Runner pensando em suas características de romance juvenil. Neste livro, King parece trazer muita coisa para dentro dele, muitas, inclusive citadas textualmente, entretanto, o que mais faz o autor, é trazer mais de si mesmo para o romance, voltando ou revisitando uma temática que lhe é constante e com discussões muito próximas, especialmente de A Incendiária e talvez Carrie. Se por um lado isso faz com que talvez não sintamos pleno sabor de novidade, por outro, reforça paranoias de um autor que nem sempre é observado desta maneira, um autor político. Mas foquemos de antemão no presente romance. Recortado em diferentes partes e por núcleos que distintos inicialmente, mas irão se encontrar, O Instituto em uma de suas pontas percorre ao lado de um policial um tanto idealista, Tim, e cuja carreira sofreu um doloroso revés, colocando-o de algum modo, ao sabor do destino. Noutra parte, a partir do sequestro do garoto Luke (geniozinho) somos levados ao Instituto, uma organização misteriosa cuja desconfiança de ligações com o governo ou governos é levantada. Nesse local, crianças ainda muito jovens ficam em cativeiro onde aparentemente servem de cobaia a algum experimento envolvendo super-dotações, como o telecinesia ou capacidades mentais aprimoradas. Não demora para todos tomarem o conhecimento do quão sombrio e mortal é aquele lugar.Assim, enquanto a narrativa desenvolve-se gradualmente até interligar os caminhos de Luke e o grupo de amigos feito no Instituto ao policial Tim, a narrativa vai desenvolvendo-se em meio a uma trama com ingredientes de teoria da conspiração e paranoia, e por meio de certa prevalência da ficção científica sobre a fantasia (cujos toques são um tanto leves). 
   A bem da verdade, para quem leu A incendiária de 1980, O Instituto é como se fosse quase uma sequência daquela, em que tínhamos algo semelhante com A Oficina. Além disso, ao aventar que o Instituto funcione há cinquenta, sessenta anos, torna bastante plausível pensarmos em tal aproximação, especialmente porque, em ambos, as paranoias de um pós-guerra parecem permanecer inalteradas. Tanto em A Incendiária quanto em O Instituto temos uma perversa entidade conhecida ou parte do governo que se dedica a partir de uma leitura equivocada de proteção de uma democracia e utiliza de forma monstruosa crianças ou jovens para atingir seus objetivos, explorando suas capacidades superiores. Em ambos, King remete a órgãos que de fato existiram nos loucos tempos de Guerra Fria e, mais do que isso, persiste na paranoia de uma sociedade americana infiltrada por "cientistas" nazistas que reproduzem em solo democrático as bizarras experiências de Hitler & Cia. Como em A Incendiária isso é repetido quase a exaustação e seria interessante refletirmos sobre a persistência disso em seu trabalho.
    Há nesse tipo de discussão sempre dois riscos, o de se implantar uma falsa paranoia sem qualquer plausibilidade e semear certa desinformação capaz de atiçar teóricos da conspiração, independente de qual conspiração criem com isso; ou então de se fazer um alerta, uma denúncia de que algo vai mal, uma espécie de Hamlet dizendo que "há algo de podre no Reino", mas cuja mensagem não é de todo compreendida. Todavia, o fato é que em ambos os livros Stephen King mostra-nos uma sociedade que sob sua camada de aparente normalidade mostra um Estado - ou parte dele - agindo do modo e pelos e com os meios mais perversos, movido por certo "pensamento mágico" e em nome de um ideal que historicamente é tão problemático quanto nesta ficção.Tendo isso em mente, faz sentido quando pensamos que assim como algumas outras narrativas de King, esta também desempenhe certa crítica política, tal como A Incendiária, Novembro de 63 e especialmente A Zona Morta, entre outros. 
    Em O Instituto a política americana recente estará presente, e a mesma acidez e resistência que o autor demonstra para com Trump nas redes sociais, será vista internamente ao romance. Mas King vai além de mera oposição a um nome; assim como em alguns de seus trabalhos, é possível ver crítica ao próprio modelo de democracia americana, em muitos trabalhos do autor sob permanente suspeição. Além disso, não é aleatório, tampouco barato, que em duas obras distanciadas por décadas o autor venha com certa insistência relacionar órgãos americanos à práticas nazistas como ocorre em A Incendiária e O Instituto. No caso desse mais recente veremos muitas comparações a campos de concentração e a experiências e nomes nazistas como Mengele. Não obstante, não custa lembrar que King, nesse aspecto, lembra Sinclair Lewis já que ambos escrevem que os EUA não estão imunes a ideologias como a nazista. King aprofunda a questão justamente pelos acontecimentos da história e pelas pulgas plantadas atrás de suas orelhas.
    Além desta perspectiva política, outro assunto recorrente em King move a presente ação. A telecinesia que vemos em A Incendiária, mas cujo grande clássico nesse campo é Carrie, A Estranha. Menos por forças sobrenaturais, o fenômeno é discutido repetidamente pelo autor, muito mais próximo da ficção científica, claramente o caso de O Instituto. Tanto que se há uma busca por trazer certa plausabilidade ao fenômeno, assim como, no caso deste livro, dos fenômenos cognitivos e mentais. Tudo é colocado no campo da ciência, inclusive os elementos de pré-cognição [que nos rementem ao filme Minority Report], embora estes destruídos pela lógica de um experto Luke. Tendo isso em mente, talvez este novo romance não supere os anteriores, visto que mais do que trazer algo novo, parece atualizar velhas suspeitas e paranoias. Ainda assim, por certo, é um livro com a força que marca o autor, cujos personagens são bastante críveis, mesmo nas mais fantásticas e insólitas cenas que se desenrolam ao longo da trama. Aliás, nesse sentido não temos do que nos queixar, pois que o autor na hora da ação consegue descrevê-la como ninguém, e suas imagens são de alto poder visual e não desprovidas de influências e referências já que King parece fazer questão de mostrar que antes do autor, há um King leitor. Veremos muitas dessas demonstrações ao longo de O Instituto. Por conseguinte, podemos ainda dizer que embora sua aparente estética de entretenimento, traz o romance reflexões ricas, como o antigo e persistente julgamento do perigo das boas ideias e das boas intenções. Mais intrigante - e louvável - que o argumento errado e doentio que justificava a existência do Instituto ao cabo não é derrotado pela ação espetaculosa e violenta de jovens crianças super-poderosas [não que não haja tal ação espetaculosa e tiroteios de tirar o fôlego], mas sim pela argumentação. É o argumento, mais do que a telecinesia, que parece fazer desmoronar os pilares do Instituto. É o modo racional e de certa forma matemático de Luke que ao fim parece vencer, ainda que uma vitória fosca como pedem as narrativas reflexivas.
   Enfim, O Instituto embora protagonizado por crianças é narrativa mais tensa e densa do que narrativas juvenis. O horror se amplia justamente porque se trata de crianças, e ao passo que o autor não eufemiza a violência que é imposta aos cativos do Instituto, o romance ultrapassa a barreira do juvenil. Além disso, como tratamos em muitos pontos deste segmentado texto, a obra, para além de sua ação, percorre momentos críticos que vale olhares mais atento, além, é claro, de recorrer a temáticas aparentemente muito caras ao autor. Se talvez peque em não ser totalmente novo, O Instituto reforça muitos alertas e preocupações que percorrem a obra de Stephen King.