Gari Babá e os quarenta ladrões ou Money Made




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Corre Babá. Corre como um cão corre atrás da moto dos correios. Vai, não durma, Babá. O motora pisa no acelerador e tá pouco se fudendo para teu tênis desbeiçado. Corre Babá às quatro da manhã. Corre um dia atrás do outro. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado. Mas é domingo, Babá. Sempre te chamam para cobrir alguém, Babá. Mas não reclame. Nem pense em desmaiar. Sentir cãibras, Babá. Não, isso, nem pensar, Babá. Corre, seja feliz, Babá. As crianças gostam de você. Gostam do teu canto. Tem gente velha, Babá, que até te admira. Tua força, tua resiliência, Babá. Eu sei, você nem sabe que significa essa palavra, Babá, mas acredite, é um elogio, garoto. Por isso corre como o vento, como o ponta-esquerda que sonhou ser quando garoto. A vida é uma corrida, Babá. Então corre, perder o emprego nem pensar. Corre pra pagar o barraco no Taguatinga, Babá. Você é um exemplo, Babá, veio com Diabo ter, em Brasília, e continua tendo, Babá. Você é o bichão, doido. Você paga a porra do aluguel, dois terços dos milão que sobra no fim do mês, descontado o inss. O mesmo inss, Babá, que disse que teu entorce era frescura. “O senhor está apto para o trabalho”, não foi bem assim que o doutor disse, Babá. Sim, nós sabemos, Babá, foi assim mesmo e com aquela cara deslavada. Então corre, Babá, o motora tá louco, diz que hoje vai levar a filha no shopping. Naquele mesmo, Babá, que naquele ano que sobrou o décimo terceiro, você foi expulso. Resista, Babá. Não desista, Babá. Quê é isso, Babá, lágrimas a essa hora? Quem disse que você pode chorar? Cleuza, Juliana, Marquinhos, Andrezinho, Tonho, Edu, Duda, Flor, eles não vão aguentar suas lágrimas, Babá. Suas lágrimas vão matá-los, Babá. Então corre filho da mãe. A madame da casa quinhentos e oito vai ligar reclamando que você deixou uma sacola na lixeira, Babá. Você sabe, Babá, isso foi o suficiente para que demitissem o Biguá. Mas que merda você está pensando, não é mesmo, Babá, vai todo mundo pro olho da rua mesmo. Você ouviu falar, ouviu dizer. Seu Carlos sabe que o lucro aumenta pondo os das tornozeleiras. Eles não podem reclamar mais do que você, Babá. Foda-se tênis, o macacão. Aqueles lá, se estiverem vestidos e nos pés um par de Havaianas, mais do que bom. Eles correm, as tornozeleiras piscam. E quem vai ver? Quem vai reclamar? Quem vai denunciar, Babá? A madrugada é teu cemitério. Um cemitério de ruas largas e trechos longos, Babá. Cidade de merda, cheia de concreto vazio à noite e entupidos de ratos durante o dia. Não é assim que você pensa, Babá? E quem vai te culpar, garoto? Você não é João de Santo Cristo, mas quem sabe é parente. Não aprendeu a fazer money, Babá. Agora pague correndo, fedendo. Nem cogite parar para fazer um curativo. O caminhão não espera, Babá. E ninguém está ligando se o tiozão do trezentos e oito deixou os cacos por pura maldade. Ninguém liga, Babá. O que importa é que o lixo desapareça, Babá. Sim. Só isso importa. Vá sonhando, rapaz, greve? Que greve? Eles controlam o número de desempregados, Babá. A tua greve hoje é o trabalho de outro amanhã, Babá. E nunca se esqueça dos tornozeleiras, Babá. Eles não param. Não podem. Então corre, corre pela última vez, danado. Sim, hoje tudo vai mudar, Babá. É seu dia de sorte, garoto. Melhor que aquela São Silvestre que você quase chegou entre os dez, Babá. Você pensou, você relutou, você teve medo. Você está com medo, Babá. Mas você teve tempo pra reparar, pra analisar, para entender aquela casa. Ouviu os boatos, os apelidos. Casa da moeda, Porta da esperança, Tio Patinhas, Baú da felicidade. Lógico que não é nada pra você, Babá. Você sabe disso, tanto que sabe que já planejou tudo. Não vai entrar ali com a roupa laranja de gari, não mesmo. Se Juliana descobre o que você fez com o saldo do salário você está morto, Babá. Dá pra ver que o terninho é alugado. Mas você descobriu como entrar, não é mesmo, Babá. Um, dois, três, quatro... dezoito, dezenove, vinte.... vinte e oito... trinta e três, trinta e quatro... trinta e sete, trinta e oito, trinta e nove, quarenta. Quarenta ladrões, Babá. Quarenta ladrões. Você os conhece, um por um, não é mesmo, Babá. Quando não os vê no jornal os vê naquela zapeada que passa pela Tv Câmara... Tv Senado... o trinta e dois você vê seguido na Tv justiça, não é mesmo, Babá. Entram sem nada e saem sorridentes. Duas, três maletas recheadas. Você sabe o que elas levam, não é Babá. Ali, entre palmeiras, um jardim de hortênsias e protegida pelo alto muro de pedras trazidas do sul é a Casa da Moeda. Ali se faz money, você sabe disso, Babá. Você juntou pistas, encontrou evidências. Garis são grandes amigos de detetives, não é garoto. Hoje é teu dia de sorte, Babá. Não chegue correndo, esses passos apressados que só os pobres conseguem ter; é preciso, agora, malemolência, Babá. Não é hora de correr. Mas fazer o quê, você sempre correu, não é mesmo, Babá. Não mostre apreensão, tensão... tranquilidade, Babá, tranquilidade. Não esqueça a senha, Babá, não esqueça a senha, Babá. Isso aqui não é um conto, então nada de vir com aquela baboseira de “abre-te sésamo” com o pronome colocado gramaticalmente correto. Não, apenas fale a senha, Babá, sem essa de historinha pra criança dormir. A vida real é mais besta e simples. E num país afeito ao escracho, sarcasmo, deboche e listas da Odebrecht, a senha só podia ser essa que você vai falar agora, Babá. Pronuncie bem as palavras, vê lá, não é hora de errar, rapaz. “Abre a porta Mariquinha...” Não esqueça o teatro, Babá “eu não abro não...” você quase riu, Babá. Que merda é essa, caralho. A coisa é séria, anda, vá lá com sua réplica “abre a portam Mariquinha, é Genaro teu bem”... Você entrou, Babá. Mas sei não, o gorilão ficou desconfiado. Pode ser seu terno pobre, Babá. O teu sapato. Não tem lustre que supere a uma sola desgastada, Babá. As solas de sapato não mentem jamais. Mas não fique nervoso, ele está desconfiado, mas tem medo de mexer com você. Ele sabe que ali só entra peixe graúdo. Não vai arriscar a boa vida, não. Então siga, Babá. Abstraía os olhares de desconfianças. Siga essa pessoa que te pegou pelo braço. É ela que vai te mostrar o jarro depois do arco-íris. Veja, Babá, parece o Jornal Nacional. Você nunca imaginou que se podia empilhar dinheiro desse jeito. Vamos, Babá, responde a moça, três ou quatro malas. “quatro, por favor”. Seu erro, Babá. Você chegou longe demais, foi até onde desconhecia os procedimentos. O último filtro. Nunca peça quatro malas, Babá. Mas você não podia saber disso. Agora é tarde, Babá, mas você é precavido. Sim, foi uma boa ideia trazer a Winchester 22, não te disse, Babá. Pow. Pow. Pow. Pinte as paredes como se fosse um Pollock monocromático, Babá. Encha as malas, garoto, vamos Lampião, dê no pé, desapareça. O gorilão está vindo. Pow. Pow. Tey. Tey. Pow. Ele caiu, Babá. Não era para ser assim, mas vai ser, não é mesmo. Eles não correm como você Babá. Não mesmo. Isso, atire longe estes sapatos. Pés nus são mais velozes. É só correr... Mas espere aí, Babá. Que porra do caralho é essa? Sirenes, Babá, São sirenes. Assim, tão rápido, não, não pode ser, Babá. Mas você pode correr, garoto. Saía pela porta que entrou, Babá. Por outra dá azar. Isso, por essa mesmo. Depois que ganhar a rua, estaremos livres, Babá. Na capital ninguém correrá mais que você, Babá... PARE! Agora, Babá. Pare. Está tudo cercado, caralho. Direita, esquerda. Não tem rota de fuga, Babá. Que azar, garoto, pelo visto, a Polícia Federal tinha escolhido justo hoje para desencadear uma daquelas operações com nome engraçado...