Mestre Miyagi não usa Chat-gpt


Quem no seu dia a dia está dentro dos diferentes processos educacionais sabe dos impactos que as novas inteligências artificiais têm provocado nas práticas estudantis. Não há nível em que a nova tecnologia não tenha entrado com os dois pés pela porta. Do ensino fundamental à graduação, mesmo em pós-graduações. A realidade é esta: os estudantes estão usando e abusando das inteligências artificiais. A questão é, isso é bom ou não para o aprendizado?

Testemunho isso por diferentes pontos. Tanto o de professor com atuação nos ensinos fundamental e médio e enquanto estudante de pós-graduação. O uso do Chat-gpt está cada vez mais indiscriminado sob a justificativa de ser um apoiador e facilitador do conhecimento. Mas será mesmo?

Em ambientes escolares e gestões educacionais não é difícil encontrar formações e encontros apologistas do uso desse novo oráculo que tudo sabe e tudo responde. Olha só, cuidado, o uso nos mostra que não é bem assim, mas deixemos isso para depois. A questão é que até mesmo, dias desses certo governador anunciou planejamento de aulas por meio do uso das IAs (tchau, profes). Para que livros didáticos se temos slides diria o intelectual. 

Mesmo entre professores a questão tem se revelado controversa e o que não falta são os apologistas do uso das inteligências artificiais. Vai facilitar nosso trabalho. Bom, nisso o Tarcísio se adiantou, para que professor? Para que horas de planejamento? A bem da verdade a apologia ao uso das IAs por professores é uma das questões mais preocupantes pois tal escolha implica na crença em uma série de conceitos problemáticos; o principal, talvez, a ideia de que atalhar caminhos é aprender alguma coisa. Acima disso, ainda, conceitos sobre aprendizagem e conhecimento.

O que é aprender para você? A resposta a essa questão é fundamental.

Nisso é que me lembro do Sr. Miyagi. Lembram dele? Karatê Kid; Recentemente suas ideias retornaram, ainda que com alguns problemas no seriado Cobra Kai que, veja só, inverteu o protagonismo da coisa. Cobra Kai carregava um pouco dessa pressa, desse queimar de etapas, a violência exige pressa enquanto a sabedoria alicerça-se na paciência e na produção de um conhecimento.

Ah, e aqui temos de ter bem discernido que entre conhecimento, acesso ao conhecimento e a produção de um conhecimento, em apreender algum, e produzir um aprendizado são gigantescas. Daniel San não entendeu por algum tempo o método de Miyagi, método que não apresentava atalhos. Por isso os treinamentos de Daniel poderiam nos ser paradigmáticos quanto à questão do uso ou não das IAs no espaço escolar. Lembro-me das cenas de Daniel San lixando carros, cortando lenha… sim, sei, temos contextos diferentes, mas o que busco aqui é a questão do atalhar caminho… ou no caso dos pseudos caminhos mais fáceis. Mestre Miyagi não usaria o Chat-gpt porque provavelmente seu conceito de aprendizagem era outro.

Mestre Miyagi tinha consciência que o caminho da aprendizagem nem sempre é o mais fácil e cômodo. Compreender e apreender com uma leitura difícil não é terceirizar o problema, é enfrentá-lo, e ler e reler as frases enigmáticas, complexas, é transformar em teu o que até então era do outro. Aprender é partilhar o que os outros disseram ou apreenderam e sobre isso colocar teu próprio aprendizado, seja para ratificar ou para refutar. 

Ao terceirizar nossa aprendizagem a uma IA estamos aprendendo ou simplesmente replicando tal como papagaios o que ela supostamente aprendeu? Diferentemente da colinha que estudantes décadas atrás se matavam preparando, jogar na IA dar um ctrl+c e um ctrl+v apenas te entrega um vazio que sequer reverberar noutro vazio. Aprender é dominar, é compreender algo ou uma técnica. Até que ponto as IAs te ajudam com isso? O que você realmente aprendeu com uma IA?

Aliás, na carreira docente, hoje as lembranças mais hilárias se dão na confiança cega que alguns alunos depositam no que as IAs lhes vomitam. Uma dica, peça poucas coisas a elas a respeito da linguagem e da literatura, mas se ainda assim achar melhor, busque conhecer antes as respostas corretas, porque a probabilidade de enganos é bem grande.

Enfim, talvez aí esteja meu problema, olhei muitos filmes, li muitos livros. Eles nos deixam críticos, independentemente do que assistimos; veja só, mesmo o Sr. Miyagi, aquele velhinho simpático, mas exigente mestre de karatê kid muito ainda nos tem a ensinar. Tenho convicção de que ele não usaria o Chat-gpt.


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