Sobre loucos, sábios e célebres anônimos


Enveredo-me aqui numa interpretação bastante subjetiva deste romance, O anônimo célebre, de Ignácio de Loyola Brandão (2002). Obra curiosa e provocativa. Obra quem sabe, também com suas armadilhas. Reality Romance diz seu subtítulo. Mais uma das tantas sardônicas e ácidas críticas a um estilo de vida que parece explodir no final dos anos noventa e começo de novo século; o da busca desenfreada pela fama. Fama pela fama. Assim o reality passa longe de apontar para a realidade, para algum realismo. Faz, na verdade, crítica ao império da ilusão. Um império cada vez mais edificado. As tramas e os truques conforme veremos através do Anônimo Célebre serão muitas, conforme acompanhamos no decorrer de uma narrativa bem mais que fragmentada. Espicaçada. Entretanto, a busca pela celebridade a todo custo, parece-me, apenas o viés mais explícito. A ponta de um gigantesco e ornado iceberg para o qual todos querem se dirigir. O curioso é que nesse aspecto da abordagem fica-me a sensação de certa defasagem. Um romance ainda da televisão, monopólio da glória e dos transistores. Bem verdade que o Anônimo Célebre se apercebe do que vem por aí, a internet. 

Mas, caramba! Dois mundos ainda distantes. 

O tempo nos mostra que as coisas podem piorar; junto da leitura, não raro, saltava-me as tantas atualizações necessárias a seu manual para pseudo-celebridades em uma nova realidade, a nossa, das web celebrities, dos influencers, dos youtubers, etc. A leitura, por vezes, nos atira para longe ou para além dela. Aponta a esta percepção porque talvez, a análise crítica deste retrato bastante definido no tempo, pode causar certa impressão de datamento. Bem verdade que em parte a obra trata mais do que os impulsiona nessa busca desfreada que o meio em si, apenas. Os métodos narrados são constatação e percepção da ignomínia comportamental espalhada e generalizada num universo aparentemente que todos procuram pelo que fora profetizado por Andy Warhol. No futuro todos terão seus minutos de fama. 

Esse futuro já nos é passado. Recente. Concretizado com seus Big Brothers e A Fazenda. Nosso presente, só piorou isso, quando não se é um De férias com o ex, é algum desafio melequento no Youtube. Todos famosos. 

Mas isso é o posto, o escancarado, tudo bem, talvez o tema da obra. Já quanto à sua aura, não sei. A mim a trama sempre foi subindo a gradação do quixotesco. Da loucura. Aliás, o fecho final atirou-me a’O alienista. O camarim 109 como peça d’uma Casa Verde. Lá fora só insânia, tudo loucura. Supostamente. Supostamente porque aí que me reside a dúvida, seria o Anônimo Célebre louco por estar no camarim, ou um sábio por astutamente não congregar com o que está lá fora? Ao leitor caberá por certo, difíceis escolhas nessas leituras e interpretações. Mas temos indícios de certa consciência em sua loucura. Um intelectual, um homem carregado de mistérios como veremos na parte final do livro. Mistérios não revelados. Um tanto abertos. Penso que algumas questões são interessantes de se ater, especialmente uma. Há no Anônimo Célebre o vasto conhecimento da literatura. Em muitos momentos ele assume-se personagens. Todos personagens mordazes, complexos e críticos. Filhos de Kafka, Melville, Poe, etc. Aí a dúvida se a literatura também lhe enlouque a ponto de ser Lupin, Ahab, ou se a literatura lhe é farol. O vencedor está só, não participa da festa. Não participa porque embora ninguém saiba, é seu protesto, sua autodeclaração de superioridade. Enfim, obra que ainda me intriga. Nesse breve texto, por certo deixei muita coisa para trás, o bricolage dadaísta na narrativa, por exemplo. Mas porquanto, ainda fico imerso em certas névoas misteriosas na tentativa de compreender melhor nosso anônimo. Se um vencedor ou um louco.