Breves notas sobre Um encontro, de James Joyce


Em “Um Encontro” James Joyce apresenta ao leitor um conto de aventura em que dois jovens amigos decidem por um dia romper com a estrutura formal de suas rotinas, para que, assim como em suas leituras nos folhetins sobre o “oeste selvagem” possam vivenciar sua própria aventura. Esta decisão influenciada pelo “narrador” que, embora sem saber o nome, sabemos tratar-se de um menino, revela os questionamentos deste com sua própria vida, seu inconformismo, sua rebeldia, e seus questionamentos, especialmente com a escola e seus métodos de ensino. Há neste “narrador protagonista” a ânsia de escapar do marasmo que ele considera sua rotina e, para tanto, convence outros dois amigos a cabular um dia de aula e sair pela cidade. Acaba que tão somente dois garotos de fato assumem os riscos e a coragem para tal, e é durante este passeio que o autor vai revelando seu olhar sobre Dublin, as questões sociais e econômicas, as diferenças religiosas e a divisão entre católicos e protestantes sempre tão aquecida por lá. Essa narrativa cheia de “não-ditos” vai descrevendo pessoas e por meio dessa ambientação contextualiza a trama. Durante a aventura em que o “narrador” e Mahony erram pelas ruas de Dublin chega, portanto, o momento do encontro com um velho e nessa parte em especial muitas coisas são deixadas para que o próprio leitor realize suas conclusões. O velho, que inicialmente trata de assuntos mais mundanos, a escola, as leituras (e aqui revela-se certa astúcia do narrador que não deseja passar por ignorante diante do velho) para descambar então para o assunto sobre meninas e namoros. Há na voz que o narrador dá ao velho uma pitada de senilidade e lascívia que poderá ao leitor vê-lo como uma espécie de tarado; que em determinado momento, embora não explícito, o velho faça algo “impublicável” para que lhe valha a alcunha de “velho safado”. Neste momento da narrativa já temos um narrador receoso com o tal velho; que retorna até os dois para tomar uma postura um pouco mais assustadora, tergiversando sobre punições e castigo, o que faz o narrador espertamente escapar do encontro recorrendo ao amigo, alguém quem o próprio assume nem respeitar tanto assim, mais uma vez revelando certa dubiedade em suas ações e escolhas.


O Narrador - Protagonista da trama


É importante aqui também falar brevemente da personagem que narra este conto. Um menino, como sabemos, embora sem nome, mas cuja capacidade de leitura e compreensão do mundo é um tato sagaz, e mesmo que não possamos de toda forma confiar totalmente. A ambiguidade deste narrador é uma atitude muito presente no garoto durante todo o conto, além de todo seu desencanto para com a escola, e também com a leitura, pois carrega dentro de si uma ânsia muito comum da tenra idade que é justamente querer sempre mais, imaginar sempre alguma falta e que por isso consegue convencer os amigos para ir além das aventuras dos folhetins, e dos ensinamentos da escola, para com esta inclusive nutre grandes reticências. O garoto ainda durante o conto revela-se um tanto manipulador, como quando do final do conto confessa não gostar muito de Mahony, mas não abrindo mão de manipulá-lo para que se juntasse a ele na aventura. No entanto, é o encontro com o velho, que o revela como ele realmente é, um garoto esperto sim, porém ainda um garoto, capaz de sentir medo diante do perigo.


Sobre o conto


O conto breve prima pelas dimensões que alicerçam o gênero por meio de um texto coeso e envolvente, e as dimensões sociocultural e histórica que contextualizam com propriedade o cenário cultural à época em Dublin. Narrado em primeira pessoa e com a presença de um “narrador protagonista” que nos leva a um conto de aventura em que podemos imaginar como antagonista o próprio perigo inerente à decisão de cabular a aula. O narrador entrega-nos o que vemos, afinal, tudo o que possuímos são “seus olhos” e a observação da sociedade, já que toda a ambientação e a definição das demais personagens dão-se pela fala do “narrador”. Mesmo num Conto, James Joyce consegue ainda apresentar ao leitor um bom número de personagens cujo texto conciso do narrador permite-lhes impregnar a complexidade necessária de cada um, bem como, vestir-lhes de uma verossimilhança incrível.  Portanto, todas as personagens aqui mostram-se “esféricas” representando as complexidades humanas, isto posto bem claro no próprio “narrador” quanto no “velho safado”, ou mesmo “no judeuzinho”. Há ainda no conto a percepção temporal, que num primeiro momento por analepsia, Joyce introduz a apresentação de suas personagens, principalmente o “narrador” recordando o passando e o princípio de sua apresentação à aventura, exemplificada pelas histórias do “oeste selvagem”; para então depois chegar até a proposta, cujo tempo se passará linearmente levando suas personagens à ação de fato, durante o dia que eles decidem matar a aula. Aqui a percepção do tempo fica muito nítida ao leitor, pois a ambientação, a forma como Joyce desenvolve a narrativa dá a nítida sensação ao leitor de acompanhar os garotos durante um dia de aventura, desde o início entusiástico da peraltice, quando tudo lhes é atraente, até o cansaço ao final do dia e a necessidade do retorno à casa.


O Conto, em relação à teoria do autor


“Um Encontro” reforça a opinião do autor, James Joyce em relação aos contos quando fala sobre a “epifania”, que para ele seria “uma manifestação espiritual súbita” em que um objeto se desvenda ao sujeito; no caso desse conto uma epifania que descortina a transição difícil e complexa quando abandona-se a infância pelo cinzento e complexo universo adulto.